Os robôs já estão presentes em boa parte dos tribunais brasileiros. Levantamento do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), obtido com exclusividade pelo Valor, mostra que o número de projetos de inteligência artificial (IA) – em execução ou em desenvolvimento – saltou de 41 para 111 desde dezembro de 2020. Estão sendo tocados por 50 Cortes e órgãos do Judiciário, de um total de 94 consultados pelo CNJ.
Esse crescimento, que será divulgado hoje, se dá em meio à completa virtualização das ações judiciais. Neste ano, o Judiciário só passará a receber processos eletrônicos, segundo Rafael Leite Paulo, juiz auxiliar da presidência do CNJ. Além disso, acrescenta, os tribunais pretendem acabar com o que sobrou em papel, digitalizando todas as ações. “A transformação digital foi o que permitiu diminuir do pico de mais de 100 milhões de processos para 75 milhões”, afirma o juiz.
O CNJ regulamentou a inteligência artificial (IA) no Poder Judiciário em dezembro de 2020, por meio de Portaria nº 271. A plataforma virtual Sinapses centraliza as iniciativas. Desenvolvida em parceria com o Tribunal de Justiça de Rondônia (TJRO), ela reúne códigos fonte e atualizações das rotinas de inteligência artificial. Modelos liberados para produção ficam ali disponíveis.
A ideia é que o desenvolvimento, treinamento e entrega do produto de inteligência artificial seja feito nessa plataforma. “O uso da IA no Judiciário está muito focado em aumentar as capacidades do usuário”, diz Paulo. “E não propriamente substituir hora de trabalho máquina versus ser humano”, acrescenta.
Na Bahia, foi criada a assistente virtual Sofia, para os Juizados Especiais, por causa dos pedidos de informações básicas. “Bastava uma resposta padrão ou um e-mail modelo”, diz Leonardo Ribeiro de Oliveira, integrante do Laboratório de Inovações dos Juizados Especiais do TJBA.
A robô foi programada para responder uma série de perguntas. Desde questionamentos de recursos humanos dos servidores até como cadastrar ações e consultar processos. Está disponível para outros tribunais e sendo testada pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, segundo Oliveira. “O tribunal que quiser uma assistente virtual não precisa mais pagar terceirizada, basta usar a Sofia”, afirma.
Agora está em desenvolvimento a segunda fase da robô: a sugestão de julgamentos. Ela separaria em pastas individuais todas as ações sobre um mesmo tema. “A Sofia vai conseguir indicar processos sobre o tema que aquele juiz já julgou e consultar a sentença proferida”, diz Oliveira.
O laboratório, sob a coordenação do desembargador Paulo Alberto Nunes Chenaud, já fez outros robôs no que a equipe chama de “fábrica de robôs”. Existe robô que faz minutas de despacho de decisões, triagem para organizar o acervo dos gabinetes e mesmo citações em processos – durante o Carnaval de 2020 foram 1,8 mil citações.
Além da regulamentação do CNJ, desde 2015 o Código de Processo Civil prevê a realização de atos procedimentais preferencialmente de forma eletrônica. E tramita na Câmara o Projeto de Lei nº 21, de 2020, que estabelece fundamentos e diretrizes para o desenvolvimento e aplicação da IA pelo poder público, empresas, entidades diversas e pessoas físicas.
O mapeamento no Judiciário foi feito no âmbito do Programa Justiça 4.0, parceria do CNJ com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) e o Conselho de Justiça Federal (CJF).
O CNJ fomenta o uso da tecnologia e os escritórios de advocacia também. No MoselloLima, um comitê com engenheiro de produção e arquiteto de soluções cria ferramentas sob medida. São usados 36 robôs na banca, segundo Murilo Gomes, especialista em direito digital e sócio responsável pela área de direito digital e backoffice do escritório.
Alguns robôs fazem atividades repetitivas, como monitorar a movimentação das mais de 50 mil ações da banca. Mas também há a jurimetria – uso de um banco de dados para prever como um caso será julgado a depender de onde tramita.
“Hoje em dia é impossível conhecer cada juiz e saber como cada um vota. Com o big data dá para saber”, afirma Fabio Rivelli, sócio do LBCA. O robô permite pesquisas que seriam impossíveis de fazer manualmente, de acordo com ele.
A inteligência artificial do escritório, chamada Diana, faz a gestão de um banco de dados de testemunhas das empresas em processos judiciais. “Quando o advogado chega para a audiência já sabe o que a testemunha falou em outros processos”, diz Rivelli.
Fonte: Valor Econômico